Vou atráz dela, pois com ela meus sonhos se foram.
Eu nunca estive aqui. Não em pensamento.
Eu nunca saí de lá. E de volta não me arrependo.
fotografia publicitária, porém, por mais produzida, iluminada, trabalhada, retocada e perfeita que fosse, ainda não refletia o universo de produtos idealizados e concebidos nas modernas mesas de brain storming; a evolução natural só poderia ser o descolamento definitivo da imagem publicitária em relação ao objeto a ser vendido.
Ao adotar novamente o desenho, ilustração, ou a pintura como alternativas para a produção de imagens de produtos, o resultado imediato foi conceitualmente afastar-se da imagem produzida por aparelhos mecânicos, e o desafio publicitário então passou a ser a preservação e continuidade da ilusória idéia de haver de fato um referente, um real, sem que se perdesse a capacidade de reprodutibilidade daquela imagem.
Tarefa fácil para computadores, softwares, e talentosos engenheiros; a resposta foi a modelagem 3D + ilustração digital + fundos fotográficos. Na Europa e Japão, a quase totalidade dos automóveis, motocicletas e artigos eletrônicos de última geração não são mais fotografados, e sim modelados e renderizados; o resto do planeta “seguiu a tendência”.
A gritaria, por parte dos fotógrafos, foi ampla e irrestrita, e a frase mais ouvida naquelas mesmas rodinhas foi:
“Isso não é fotografia.”
Será que não é mesmo?
Hummm…
A lógica sequência de eventos foi a adoção dos mesmos princípios pela indústria de arquitetura, venda de imóveis, decoração, hotelaria; as revistas e editoras não se acanharam, e substituiram fotógrafos por artistas digitais; departamentos de TI passaram a ser mais importantes que os de criação.
E a berraria continuou; na verdade aumentou, quando, sem pudor e sem pedir licença, os aparelhos, a mecânica por vezes idolatrada pelo fetichista funcionário-fotógrafo, passou a decidir tudo sozinha, incorporou vídeo, deixando a caixa preta cada vez mais indecifrável… Mais programada….
E os aparelhos se libertam da imagem estática, permitindo o surgimento de sequências de stop-motion, menos concretas que a fotografia, menos fluidas que o cinema e vídeo, um híbrido com possibilidades criativas inovadoras.
E claro, muito mais gente se uniu ao já cansativo coro:
“Mas isso também não é fotografia!”
Será que não é mesmo?
Hummm…
Filosofias (vejam os princípios do “Realismo Estético” e me digam o que acharam!) , escolas de pensamento, seitas, movimentos dogmáticos, a eterna tentativa de encaixotar e definir, em apresentar regras e localizar, são inócuos frente a inevitável evolução da linguagem.
Linguagem essa que se vê livre, se liberta finalmente da obrigação do “registro”, que quebra o espelho e se permite ser reflexiva, abstrata, íntima ou emotiva; uma sintaxe de língua viva, que adquire um vocabulário mais abrangente, menos superficial, mais elaborado.
Erudito e popular.
Universal.
A fotografia contemporânea, liberta de suas históricas amarras e livre das responsabilidades limitadas de registrar o que está a sua frente, tem e permite todos os (im)possíveis caminhos que inventar, que sonhar.
Eu, particularmente, gostaria de ver mais Jasper James na National Geographic…
E mais Georges Rousse em todos os lugares.
A arquitetura, a fotografia pensante, a arte, só ganham com a existência do trabalho de artistas contemporâneos como Felici Varini e Georges Rousse; na verdade, trabalhos ilusórios e impermanentes como os de Rousse são exemplos de inteligência, consciência e poesia cada vez mais presentes nos descaminhos da fotografia tradicional; sem a fotografia, o seu trabalho não existe, não é nada; o realizado nesse caso é a fotografia, e não o oposto.
Só posso concluir que, contra a gritaria dos que insistem em definir o que é ou não fotografia de acordo com suas próprias limitações, as reflexões concluem; a fotografia é muito mais que apenas uma das suas múltiplas personalidades, a fotografia é o que queiramos que ela seja (dentro de sua personalidade), a fotografia é orgânica, crescendo em constante evolução.
Desculpe, mas tudo isso pode ser fotografia.
Texto de Clício Barroso